Archive for fevereiro 2008

O Relógio - Parte 6


.

John segurava aquela pequena mãozinha pelas ruas de Blackpool. Os olhos atentos de Elizabeth pareciam pequenas fontes de luz de tão brilhantes. A pequena observava tudo, parecia encantada com a quantidade de coisas que via pelo caminho.

- Sua casa é muito longe senhor John? - perguntou a garotinha.
- Não, nós já estamos chegando. Você está cansada?
- Sim, um pouco.
- Não se preocupe, estamos perto.

Os dois viraram a esquina e pararam na frente de uma porta.

- Esta é sua casa daqui por diante. - disse John.

John abriu a porta e adentrou com Elizabeth pela sala. Beatrice estava nos fundos lavando roupa. Logo, John tratou de chamar a esposa.

- Beatrice, venha ver a visita que temos. - gritou.

Beatrice veio correndo pela cozinha e logo olhou para a pequena menina com lindos olhos azuis.

- Quem é esta menininha John? - indagou ela.
- Ela vai ficar conosco durante muito tempo. A partir de hoje, ela mora nesta casa. - sorriu.
- Não estou entendendo John. Onde está a mãe dela? Onde você a encontrou? - disse Beatrice parecendo preocupada.
- Vamos conversar no quarto minha querida.

Beatrice sentou na cama e olhou para o marido parecendo impaciente.

- O nome dela é Elizabeth. Eu a adotei no orfanato das irmãs. Ela foi abandonada pela mãe com alguns dias de vida.
- Mas você nunca me falou que queria trazer uma criança para morar conosco. Por quê você tomou essa decisão assim tão rapidamente?
- Beatrice, eu ouço suas orações todas as noites. Enquanto você pensa que eu estou dormindo eu ouço você pedindo a Deus um filho. Eu só quiz lhe alegrar. Ela será mais que uma companhia para você enquanto eu estiver fora. Ela será uma filha. O que você acha?
- Eu ainda estou me acostumando com a idéia. Não sabia que seria tão prontamente atendida. Me dê tempo para encarar isso. - afirmou Beatrice.
- Darei todo o tempo do mundo. Mas não esqueça de que Elizabeth não pode esperar muito. Afinal, prometi à Madre que a menina seria muito bem tratada aqui e que teria uma família amorosa.

Beatrice preparou um suco de fruta para Elizabeth e o ofereceu à garotinha. Ela parecia mais relaxada depois de algum tempo conversando com John. Ele parecia feliz e conversava com a criança euforicamente. Falavam sobre tudo: as aulas no orfanato, os amigos, as brincadeiras e até sobre os castigos que as freiras lhe davam quando fazia alguma travessura.

- Mas você não recebia muitos castigos não é Elizabeth? - indagou John como que não levando muito à sério a própria pergunta.
- Não. Eu só levei dois castigos e um não foi culpa minha.

John passou mais de duas horas sentado à mesa com Beatrice e Elizabeth. Os três pareciam muito envolvidos na conversa e Elizabeth parecia bem mais à vontade. Quando se deram conta, já estava escurecendo e eles nem tinham acendido as velas que iluminavam a casa.

- Creio que já esteja na hora de todos irmos para a cama. Já está ficando tarde. - afirmou Beatrice.
- Você tem razão. - disse John beijando delicadamente a mão da esposa.

Beatrice arrumou o quarto, que antes servia para os hóspedes, para que Elizabeth pudesse dormir. Arrumou as poucas roupas da menina no móvel próximo à cama.

- Você já pode se deitar Elizabeth. - disse ela.

A menina se deitou na cama e ela sentou-se ao seu lado.

- Você está gostando daqui?
- Sim. Vocês são muito divertidos. - falou a menina.
- Que bom! Agora, você vai dormir. Se tiver algum sono ruim, pode bater a porta do meu quarto certo?
- Entendi.
- Boa noite.

John já estava deitado na cama esperando pela esposa.

- Ela dormiu? - indagou ele.
- Coloquei-a na cama. Espero que ela não demore a dormir. - falou a esposa.
- Que bom. Você gosta dela?
- John, ainda é cedo para falar qualquer coisa. Mas, ela me parece uma menininha muito doce e obediente. Creio que não terei muitos problemas com ela.
- Você está feliz?
- Não sei. Estou alegre, mas não sei se isso é felicidade. - disse deitando-se na cama e aconchegando-se perto do marido.
- Espero que isso seja felicidade, pois eu estou muito feliz.

John não estava mentindo. A presença daquela criança fez um sentimento bom nascer no seu coração. Ele não sabia explicar o que sentia. Enfim, estava tudo caminhando em sua vida: ele tinha uma filha e sua esposa não se preocuparia mais com esse problema. Bendita hora em que ele abrira a porta para o velho Sali. Bendita hora...

O Relógio - Parte 5


.

Em um momento, John se viu cercado de pequenos seres. As crianças estavam ao seu redor, fazendo-lhe perguntas, puxando seu paletó, sorrindo para ele...John ficou atordoado com aquela situação.

- Deixem o senhor John crianças, afastem um pouco. Ele não está se sentindo bem com todos vocês aqui. - Ordenou a Madre.
- Ele vai vomitar? - perguntou uma menininha loira que tinha grandes olhos azuis.
- Não Elizabeth. Ele apenas precisa de um espaço para andar e respirar. - Falando isso, a Madre dispersava as crianças com as mãos.

Depois que todas já tinham corrido pelas plantas e voltado as suas ocupações anteriores, a Madre falou:

- Desculpe senhor John, mas as crianças sempre ficam muito eufóricas quando vêem gente nova. É sempre uma novidade para elas, principalmente um homem.
- Não se preocupe Madre. Eu não estou incomodado - mentiu estampando no rosto um sorriso "meia-boca".
- O senhor quer visitar o berçário? Talvez queira ver nossos bebês.
- Sim. Eu adoraria.

Os dois seguiram por um corredor que dava em uma grande sala, com muitos berços e algumas freiras mais jovens. Havia também camas, John supôs que eram para as freiras que cuidavam dos bebês durante a noite.

- Temos cinco bebês atualmente. O último foi deixado há sete dias em nossa porta. Quase sempre as crianças se criam aqui, elas chegam com alguns dias de vida e crescem dentro destes muros. - falou a Madre parecendo estar satisfeita com a incubência de educar as crianças.
- Quer dizer que muitas sequer vêem a cidade onde vivem? - indagou John parecendo indignado.
- Oh Não! As maiores passeiam uma vez por semana com as noviças. Elas fazem rodízio de modo que todos os dias algumas vão para os passeios. Quase sempre acompanham as freirinhas às feiras para fazer compras. - falou rapidamente a Madre. Aqui, algumas tem aulas pela manhã e outras pela tarde.

Enquanto conversavam, os dois iam andando por entre o berços. Haviam bebês aparentemente saudáveis ali: "Gordinhos e rosados" - pensou John soltando um risinho.

- Creio que minha esposa gostaria de uma criança já mais crescidinha - antecipou.
- Oh sim, claro! Muitas mulheres preferem ter uma vida mais tranqüila sem ter que acordar durante a noite várias vezes.
- Gostaria de voltar ao pátio. Como era mesmo o nome daquela menininha que perguntou algo sobre mim?
- Elizabeth - falou a Madre.
- Qual seu temperamento?
- Ela e bastante ativa, mas muito obediente. É também bastante inteligente.
- Gostaria de conversar com ela.
- Claro, vou levá-la ao escritório. O senhor pode ir se dirigindo para lá se não quizer ser novamente rodeado de crianças - falou a Madre sorridente.

No escritório, John se sentou e ficou à espera. Depois de alguns minutos, a Madre abriu a porta trazendo Elizabeth pela mão.

- O senhor John quer conversar com você Elizabeth. Sente-se naquela cadeira - disse apontando para a poltrona ao lado de John.

Elizabeth sentou-se e fitou seus enormes olhos azuis nos de John. Agora ele estava ali, sentado olhando para sua futura filha. "Filha?" - pensou. Será que estaria preparado para abrigar uma criança em sua casa? E mais: será que estaria preparado para educar uma criança?

O Relógio - Parte 4


.

E se esse filho que Beatrice tanto queria nascesse de outro ventre que não o dela? Era uma boa idéia e John mataria dois coelhos com uma cajadada só: realizaria o desejo da esposa e não deixaria que ela engravidasse, para que assim não viesse a falecer.


Eram cerca de seis horas da manhã, John se vestiu e deixou a esposa, que já acordara, limpando a casa. Ele seguiu pelas ruelas de Blackpool com muita pressa, queria chegar logo ao Convento Nossa Senhora Mãe de Deus. Lá, moravam freirinhas que viviam da caridade da população pobre de Blackpool. Elas recebiam crianças cujas mães não podiam criar ou morriam. O local era conhecido pelos gritinhos de muitas crianças que brincavam do lado de dentro dos seus grandes muros de pedra.

John parou em frente à porta do Convento, era muito grande e toda em ferro fundido. A origem desta porta ninguém sabia ao certo, muitos diziam que foi doação do Vaticano para as irmãs. O fato é que a porta era uma obra de arte: havia a figura de Maria segurando Jesus no colo, tudo muito bem trabalhado no ferro. Ao bater a porta, John foi recebido por uma jovem freira, talvez ela fosse noviça pois não usava hábito, que o convidou para entrar.

- O senhor pode sentar-se aqui. Vou chamar a Madre - disse ela.
- Obrigado.

John foi encaminhado à um grande escritório, com muitas prateleiras de madeira que abrigavam muitos livros. De repente, ouviu a porta se abrindo as suas costas. Imediatamente se levantou.


- Bom Dia jovem! Em que posso ser útil? - indagou uma senhora que devia ter cerca de 60 anos. Ela vestia hábito e parecia ser a Madre de quem a irmã mais nova tinha se referido.
- Bom Dia Madre - respondeu John. Eu estou aqui à procura de uma criança para adoção. Sei que vocês recebem muitas crianças. Minha esposa é jovem, mas é muito fraca, por isso optamos por adotar um bebê.
- Sente-se por favor.

Os dois se sentaram. Ela por detrás da mesa.

- Então você quer adotar uma criança. E onde está sua esposa? - perguntou a Madre.
- Ela se sentiu indisposta hoje e preferiu não vir - mentiu.
- Está bem. Como é mesmo o nome do senhor?
- John Walter.
- Ah sim! Eu conheço o senhor, é o filho de Matheus Walter não é?
- Sim senhora, ele era meu pai.
- O senhor Matheus foi um grande amigo meu. Sempre que podia, vinha consertar os relógios do Convento e fazia tudo de graça. Nunca deixava que eu pagasse pelos seus serviços. Uma pena ele ter falecido tão jovem, era um homem tão bom... - olhou para suas mãos como que se lembrando de fatos do passado.
- Sim, é verdade. Meu pai faleceu muito novo. Mas falar dele me trás muita saudade. O que posso fazer para adotar um bebê?
- Ah sim, claro. O senhor deve me mostrar seus documentos e me comprovar o casamento por meio da certidão.
- Trouxe tudo - colocou a mão no bolso do paletó e retirou alguns papéis.

A Madre examinou-os minunciosamente e só depois disse:

- Vou acompanhá-lo em uma visita ao pátio do Convento. Lá você vai conhecer muitas crianças, e se quizer bebês, eu o levarei ao nosso berçário.

Os dois se levantaram da sala e saíram em direção ao pátio. Em um belo jardim, haviam muitas plantas e flores que, por causa da primavera, estavam mais vivas e exalavam doces perfumes. John se sentiu feliz por estar naquele lugar, era um lindo ambiente, lá sentia-se muita paz. Crianças estavam brincando por entre as plantas, elas riam e gritavam. Parecia que estavam muito felizes.

John viu meninas e meninos. Ele teria que escolher seu filho agora. Teria que fazer a vontade da amada esposa. Qual seria o melhor filho: o mais brincalhão ou o mais quieto?

O Relógio - Parte 3


.

John estava com o relógio mágico nas mãos. "O que fazer?", pensou. Seria demais pensar que poderia salvar sua esposa? Se não fosse aquela criança, Beatrice ainda estaria viva. Lembrava-se do dia lindo que fazia quando a conheceu no parque central da cidade. Lembrava-se de seu vestido rosa e de seus cabelos castanhos, que eram embalados pelo vento. "Sim!", agora era definitivo: ele queria Beatrice de volta. O velho vendedor não teria vindo à sua porta em vão, ele lhe trouxera uma chance de ser feliz.

---

Beatrice estava à sua frente, ela usava um vestido amarelo e por cima um avental. Era incrível como mesmo suja de cinzas do fogão ela continuava linda. Linda, essa era a palavra que definia Beatrice. Ela era linda de todas as formas. Quando conheceu Beatrice se encantou com sua beleza. Ela era, sem sombra de dúvida, a mulher mais bela de Blakpool.

Não sabia em que ano estava, em que mÊs nem em que dia da semana, mas sabia que tinha recuperado Beatrice. Esse era o maior dos presentes para ele.

- O jantar já está sevido. Você não vem?
- Sim, mas quero que você me faça um favor. Gostaria que me trouxesse um espelho.
- Um espelho?
- Sim, querida. Traga-me um espelho, por favor.

Ele não acreditava no que seus olhos enxergavam. Aquele velho vendedor estava certo: o relógio era mágico. Por alguns instantes, custou a acreditar que tinha ficado mais jovem, sua pele estava mais limpa, seu cabelo mais arrumado, sua barba feita e não usava óculos. Ele era um jovem de 21 anos. Ainda estava na flor da idade e Beatrice parecia mais linda como nunca antes fora. Ele agarrou a esposa, rodopiou pela sala com ela em seus braços. Seu vestido voava entre os móveis. Agora sim, poderia mudar tudo, faria tudo diferente, a começar pelo filho que não teria. A decisão já havia sido tomada: ele não teria nenhum filho.

Os dois foram jantar. Um sentou-se ao lado do outro na mesa. Era uma pequena mesa de madeira, que, por vezes, ficava tesa para um lado, pois tinha uma perna mais desgastada que a outra. John era beijava a mão de sua esposa a casa colherada de sopa.

- O que você tem John? Parece que nunca me viu.
- Quero lhe dizer o quanto te amo querida.

Beatrice lavou as louças enquanto John a observava fazendo a tarefa do lar. Ele estava tão encantado por tê-la de novo em seus braços, que não queria tirar os olhos dela. Depois, os dois foram se deitar. Subiram as escadas e John recordou o quanto era frio seu quarto sem sua esposa ao seu lado. Era um vazio, como se lhe tivessem tirado metade da cama. Mas ele não mais sentiria aquilo. Não mais.

Após fazer suas orações, Beatrice deitou-se ao lado de seu marido e deixou ser tocada por ele. Em um instante, John percebeu que estava fazendo algo errado, ele não queria engravidar Beatrice. No mesmo instante, virou-se para o outro lado da cama dando as costas para a esposa.

- O que você tem?

Ele fingiu dormir.

No outro dia, o sol já estava alto quando John se acordou. Ele se dirigiu ao porão, o mesmo lugar onde confeccionara o relógio que lhe trouxe de volta no tempo. Como John poderia dormir todos os dias com sua esposa e conviver com seus pedidos de um filho? A não ser se uma criança fosse gerada, mas não no ventre de Beatrice.

You can replace this text by going to "Layout" and then "Page Elements" section. Edit " About "