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Paredes brancas e cinzas


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Ele nunca havia feito isso. É realmente engraçado pensar como uma pessoa aparentemente apática poderia tomar uma decisão daquele tamanho. Estava esperando o metrô, saguão quase vazio, tarde da noite, um ou outro conversando atrás dele. Um sentimento estranho. Um ambiente estranho. Aquele não era seu habitat, logo ele acostumado com paredes limpas e brancas de um hospital. Ele, que escolhera a medicina pela oportunidade de não precisar manter papo com ninguém. Casava com sua personalidade, nisso seu pai acertara. Agora, longe das paredes brancas, tinha um caminho a seguir: rumo à estação da Liberdade, andar quadro quarteirões depois da Sé e bater na porta dela. Seria difícil, mas ele estava decidido, como nunca estivera antes.

Uma luz pontava do final do corredor, o trem já estava vindo. De repente, as pernas começaram a vacilar, na cabeça mil pensamentos. Parou, abriram-se as portas. Ele entrou. Sentou em uma das cadeiras azuis com a cabeça muito longe dali. Em menos de cinco minutos ele estaria na estação da Liberdade. Uma senhora senta-se à sua frente. Os dois se olham. Ele pensa que ela pode ler o medo que está tomando de conta dele. Nunca fora um homem muito corajoso, mas era frio e não deixava transparecer facilmente seus pensamentos. Dessa vez, parece que fora descoberto.

O trem parou. As portas de abriram. Se levantou e saiu. Subiu as escadas e encarou o vento frio da madrugada em seu rosto. Não tinha lembrado de trazer agasalho quando saíra do hospital. Só queria encontrá-la e dizer que não poderia mais viver sem ela. O amor ainda era uma coisa estranha para ele, um sentimento renegado por anos, mas que agora aflorava com toda a força. Começou a andar pelas ruas. Desertas, tudo era cinza. As paredes, as pessoas, a fumaça. Lembrou de como as paredes eram brancas no hospital, de como tudo parecia limpo, ele mesmo estava limpo, livre de dúvidas e de medo. Agora, aquele cenário cinza parecia sujo, cheio de substâncias ruins, como estava sua cabeça agora. Pensava no que falar quando encontrasse com ela. Daqui a pouco viria seu rosto, lindo como sempre, e, quem sabe, tocaria em suas mãos.

O último quarteirão se aproximava. Passavem por ele os últimos muros cinza, pensou sua mente estar agora mais limpa, mais decidida. Chegou. A porta vermelha parecia a mesma desde a última vez que estivera alia, fazia um mês. Apertou o botão da campainha. Passos pesados viam. Abriram a porta. Era ela, linda e serena, como sempre. Como ele se lembrava. Estava com o mesmo colar, o cabelo caindo sobre o ombro, a mão na maçaneta, um leve decote no colo. Os olhos estavam como ele aprendera a ler: surpresos, grandes e expressivos.

Aquilo era demais. Vê-la assim, tão perto depois de tanto tempo. Tantas noites frias longe dela. Lembrou de tudo isso. Da mesma maneira, esqueceu tudo o que vinha ensaiando falar. Só pôde abrir a boca e dizer "Eu te amo".

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