Casal na cama


.

Era três da madrugada quando ele acordou me perguntando sobre o controle remoto da TV. Não era costume, mas normal esse tipo de comportamento. Depois da resposta, que poderia ser qualquer uma, ele se deitava e voltava a dormir. No outro dia, não lembrava de nada. Estranho, mas já me acostumei. Naquela noite eu estava acordada lendo um bom exemplar do jornal, já que não tenho tempo para ler durante o dia, só me resta a noite para me atualizar do mundo, chato, que vivemos. A única coisa boa naquele jornal era o tutorial de maquiagem. Nele a “pseudo-maquiadora”, ou seja, umas dessas donas de blogs que pensam que sabem sobre moda e beleza, ensinava a fazer uma maquiagem em tons de laranja e azul. Isso mesmo! Uma aberração, eu disse. Enfim, como não tenho nenhum blog desse tipo, não me atrevo a dizer nem esboçar nenhum tipo de opinião. Porém, estranho. Depois que ele saiu do banheiro, voltou pra cama, fechou os olhos e começou a dormir profundamente, ignorando o fato de, há poucos minutos ter levantado da cama. Olhei. O rosto familiar era meu porto seguro, meu amigo, meu companheiro. Mas porquê a mesma pessoa que pode ser maravilhosamente importante para você, pode deixar a toalha molhada em cima da cama, a tampa do vaso sanitário aberta, um copo na pia para eu lavar, entrar em casa com o tênis sujo da lama. Como pode? Pois bem, ele é homem. Mas será que é tão fácil assim? Ele é homem e eu sou mulher. Ele desorganiza e eu organizo. Ele suja e eu lavo. Será? Minha vasta experiência com esse espécime da raça humana me diz que a resposta a esta questão não é tão fácil assim. E que bobagem é aquela de “mulheres são de Vênus e homens são de Marte”? É assim mesmo ou ao contrário? Será que é só isso mesmo? Puro merchan para vender livretos de auto-ajuda disfarçados de Best Sellers. Ele é homem, mas isso não o faz desorganizado, com uma mania chata de querer mandar. Do mesmo jeito que eu sou mulher e isso não me faz a “certinha” da história. Faz tanto tempo que dormimos juntos. Lembro da época da faculdade. Era a mesma mania: levanta, fala alguma coisa e no outro dia não lembra de nada. Já me planejei para perguntar pequenos segredos a ele, algo que eu não teria coragem de perguntar se ele estivesse totalmente consciente. Mas, propositalmente ou não, ele nunca me respondeu perguntas do tipo “você já me traiu?”, “o que você acha da nossa vizinha?”, “por quê você voltou tarde naquela noite”?. Pois é, propositalmente ou não a verdade é que ele nunca me respondeu.

Volto ao meu já desatualizado jornal e ao ilustre artigo sobre a maquiagem laranja com azul. Quem lê esse tipo de coisa? Resposta idiota para a pergunta mais idiota ainda: eu mesma. Rio de mim mesma e olho para ele.
Fecho o jornal, é hora de dormir. Amanhã, crio vergonha e vou comprar uma revista com artigos de quem realmente escreve, estuda e vive moda e beleza.

You can replace this text by going to "Layout" and then "Page Elements" section. Edit " About "